Com a necessidade de outorgas caras e burocráticas para a regularização do uso da água na propriedade, a integração de boa parte dos agricultores, especialmente os pequenos, ao sistema de gestão das águas torna-se inviável. A possibilidade de mais uma despesa, com a cobrança da taxa pelo uso da água, também dificulta a agregação deste grupo. Mas, como os recursos arrecadados na cobrança devem ser investidos em atividades de melhoria da qualidade da água – como a manutenção de matas ciliares – o pequeno agricultor pode passar de devedor a credor.
“Se ficar demonstrado que a propriedade presta um serviço ambiental, o agricultor deveria ter o direito a receber por isso, de forma semelhante a que ocorre com os créditos de carbono”, avalia Marcos Vinícius Folegatti, coordenador da Câmara Técnica Rural do Comitê de Bacias Hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ). No entanto, existem dúvidas e dificuldades para a definição e valoração econômica dos chamados serviços ambientais. Estes e outros temas foram discutidos no primeiro encontro do Ciclo de Seminários Abertos do projeto Bacias Irmãs realizado na quinta-feira passada, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq).
Serviços ambientais: quem será beneficiado?
Atualmente, o pagamento por esses serviços é feito por empresas que têm interesses econômicos na preservação do recurso. Laura Antoniazzi, mestranda em Economia Aplicada da Esalq, apresentou no evento detalhes sobre o pagamento por serviços ambientais aos agricultores. Em sua análise, ao pensar no desenvolvimento de mercado em serviços ambientais, para proteção de bacias hidrográficas, seria mais barato e fácil organizar o pagamento para um número pequeno de grandes propriedades, do que para um grande número de pequenas áreas.
Dalcio Caron, do Departamento de Economia Administração e Sociologia da Esalq e coordenador do projeto Bacias Irmãs, questionou essa posição e defendeu a necessidade do Estado, através dos recursos dos Comitês de Bacias, intervir para que os pequenos agricultores recebam os benefícios. “Porque na questão da água não podemos pensar em uma coisa bem pequenininha, de base, de agricultura familiar? Os pequenos agricultores familiares são maioria neste país, mas estão completamente desorganizados e terão que entrar em uma cadeia com grandes empresas para obter os benefícios dos pagamentos por serviços ambientais”, argumentou. Em conjunto, esses agricultores contribuem de forma decisiva para a conservação da água e apresentam uma demanda histórica de recursos e incentivos governamentais, que têm priorizado a grande propriedade. A integração das pequenas propriedades ao sistema de cobrança poderia minimizar tanto o impacto ambiental, como a falta de investimentos nesses grupos.
Existem também dúvidas e dificuldades no estabelecimento de valores e definição dos beneficios que os agricultores receberiam por preservação de matas ciliares e não uso de agrotóxicos, entre outras práticas que preservem a água. No cálculo também deveriam estar previstos os impactos negativos gerados na atividade, como poluição orgânica e por defensivos agrícolas. A valoração econômica desses aspectos é bastante complexa e, em alguns casos, inviável e questionável. Quanto vale, para os usuários de água, uma floresta em pé nas nascentes de um rio? Como compensar economicamente práticas conservacionistas na agricultura? Que tipo de contrapartida pode ser dada ao não-uso de defensivos agrícolas?
Outros desafios
No evento, o coordenador da CT Rural apresentou os trabalhos realizados até então pelo grupo e apontou os desafios que a próxima gestão do Comitê terá pela frente, que vão além do pagamento por serviços ambientais: o aperfeiçoamento do processo de obtenção de outorga, para regularização do pagamento e recebimento por serviços ambientais, que é caro e burocrático; a definição de consumo insignificante, considerada complicada porque as bacias do PCJ têm um índice de disponibilidade média de água de 408 metros cúbicos por habitante por ano, sendo que o índice já é considerado crítico abaixo de 1500; a criação e gestão de redes de monitoramento de informações, para o controle do uso e ocupação do solo; a implementação de programas de capacitação e treinamento para usuários e integrantes dos comitês; o desenvolvimento de programas de incentivos específicos para propriedades em Áreas de Proteção Permanentes (APPs), como matas ciliares e áreas de nascentes; e a redefinição dos conceitos de propriedade agrícola nos seus aspectos social, econômico e ambiental.
Cobrança
A cobrança pelo uso da água nas bacias do PCJ foi estabelecida por meio das negociações do Comitê, que prevê a participação dos poderes públicos estaduais e municipais, grandes usuários, e sociedade civil organizada, por meio de ONGs, universidades e instituições de pesquisa, sindicatos etc. Inspirada em modelos da Alemanha e França, os objetivos principais da cobrança são a racionalização do uso da água por meio da taxa e o investimento dos fundos arrecadados em ações para melhoria da qualidade e aumento da quantidade de água.
No caso da agricultura, o valor cobrado a partir de 2006 nos rios de domínio federal (interestaduais) das bacias do PCJ é de 10% da taxa normal paga pelos outros setores de usuários, como a indústria, que é de 1 centavo por metro cúbico consumido. Este redutor na cobrança do setor agrícola é válido por 2 anos. A Câmara Técnica Rural tem até 2007 para estabelecer parâmetros para descontos, de acordo com os impactos positivos da atividade, como práticas que evitam erosão do solo, não uso de agrotóxicos, manutenção da mata ciliar etc. Nos rios de domínio estadual geridos pelo CBH – PCJ a cobrança para o setor agrícola se inicia em 2010.