O nervo óptico de um olho humano transmite aproximadamente um milhão de bits por segundo. Este é o cálculo que pesquisadores da Universidade de Pensilvânia e de Princeton publicaram na revista Current Biology, de julho deste ano. Para chegar a esse número, eles partiram de experimentos medindo a quantidade de informação transmitida pela retina de porcos da Índia e, a partir destes valores, fizeram uma estimativa comparada à formação do olho humano. O neurofisiologista brasileiro Cezar Saito relativiza o resultado, mas aponta as contribuições do estudo para essa área de pesquisa.
O grupo de pesquisadores norte-americanos verificou o fluxo de transmissão de informações analisando o comportamento das células ganglionares da retina de porcos da Índia, que visualizavam vários tipos de filmes em cenas naturais. O neurofisiologista Cezar Saito, da Universidade Federal do Pará, explica que as células ganglionares são neurônios que estão localizados na retina. No experimento, foi medida a taxa de informações para sete tipos de células ganglionares. A transferência de informação na retina dos porcos foi verificada pelos norte-americanos através de uma série de multieletródios, que permite o registro de vários neurônios simultaneamente.
Os pesquisadores verificaram que as taxas de transmissão de informações variaram de acordo com o tipo de célula, mas todos os tipos de células tiveram a mesma eficiência de codificação, ou seja transmitiram a mesma quantidade de informação. Isso acontece, segundo Saito, porque as células que transmitem informações com mais rapidez, o fazem por um período mais curto e produzem mais erros do que aquelas que disparam mais lentamente e por um período maior.
Então foi calculada a proporção de cada tipo de célula para o tamanho do campo receptivo, ou seja para a área do espaço que uma célula ganglionar está “olhando” em um dado momento e também para o fator de cobertura, que indica quantas células estão “olhando” para uma mesma área do espaço.
A conclusão foi de que aproximadamente 105 células ganglionares transmitem 875 mil bits por segundo. Com aproximadamente 106 células ganglionares, a retina humana transmite dados na freqüência aproximada de uma conexão de internet banda larga via DSL.
O uso de multieletródios nesse tipo de pesquisa já está se consolidando. “É uma técnica cujo uso vem se ampliando desde a última década”, afirma Saito. Segundo ele, essa ampliação se deve a três fatores: aos avanços na fabricação dos microeletródios e de hardwares para aquisição de sinais com múltiplos canais; ao desenvolvimento de softwares para a separação e reconhecimento dos potenciais de ação (ou impulsos nervosos) captados paralelamente nesses múltiplos canais; e, por último, ao uso de técnicas que aumentam a estabilidade e a duração do registro multiunitário (instrumento usado para entender as funções do sistema nervoso central).
“O emprego de multieletródios otimiza o experimento, já que um grande número de neurônios é registrado ao mesmo tempo, e também permite analisar como a resposta de um neurônio é influenciada pelas atividades dos neurônios adjacentes, um fenômeno comumente encontrado nos circuitos neurais, inclusive na retina”, diz o pesquisador da UFPA.
Saito destaca, entretanto, que e abordagem do trabalho publicado na Current Biology é válida até certo ponto, pois, segundo ele, as células ganglionares dos primatas não são qualitativamente e nem quantitativamente iguais às do porco da Índia e, portanto, não transmitiriam a mesma quantidade de informação. “Existem várias diferenças entre o sistema visual do porco da Índia e o do ser humano. Só para citar um exemplo, o porco da Índia enxerga um número menor de cores diferentes do que o homem”, explica. Saito afirma, ainda, que somente estudos usando retinas de primatas não-humanos ou mesmo humanos, replicando essa metodologia, poderiam fornecer um valor mais acurado da quantidade de informação conduzida pelo nervo óptico.
Os resultados mostraram o quanto é eficiente o processamento de dados no sistema nervoso, mas muitas perguntas ainda permanecem em aberto, como, por exemplo, por que certas imagens não “excitam” certos tipos de células. Saito diz que, de fato, os estudos fisiológicos corroboram a existência de _vários tipos de células ganglionares, algumas com propriedades bem específicas. “No sapo, por exemplo, há células que respondem vigorosamente somente na presença de um estímulo que simula uma mosca voando”, explica.
Por outro lado, o cálculo ainda é considerado útil, porque permite estimativas iniciais de parâmetros básicos, como poder e eficiência, além de revelar como a informação visual é distribuída entre os diferentes componentes neurais e fornecer um sentido de escala para se pensar no sistema visual como um todo. “Os estudos que caracterizam a codificação da informação visual nas células ganglionares possuem importantes aplicações práticas, pois projetamos que no futuro as próteses retinianas poderão substituir a retina natural e permitir que pessoas com deficiências visuais possam enxergar”, avalia Saito.
De acordo com o pesquisador brasileiro, quantificar o número de informações, a velocidade do envio desses sinais, a duração da resposta, e várias outras propriedades das células ganglionares, são informações imprescindíveis para o desenvolvimento de próteses que possam substituir de modo eficiente a retina.