Já faz parte da memória discursiva popular que o alto nível de colesterol no sangue é um grande vilão da saúde. Na mesma direção, que a lipoproteína de baixa densidade (LDL) está associada ao colesterol ruim e a lipoproteína de alta densidade (HDL), ao bom. O que é pouco difundido é que a LDL na sua forma oxidada é a responsável pelo transporte e depósito de gorduras na camada interna das artérias – a arteriosclerose (fator que causa a doença cardíaca coronariana).
Pesquisadores do Instituto do Milênio de Fluidos Complexos (IMFCx) desenvolveram uma técnica para medir a fração da LDL oxidada no sangue, utilizando técnicas de óptica não linear, e continuam investigando os mecanismos de oxidação da lipoproteína. Atualmente, a verificação dos níveis de HDL, LDL e VLDL (lipoproteína de muita baixa densidade) pode ser feita por meio de um exame de sangue, contudo, as técnicas existentes não são capazes de verificar a quantidade da LDL oxidada.
Além da detecção e quantificação dos níveis da LDL oxidada no sangue, o método desenvolvido viabilizará a pesquisa dos “mecanismos que levam à oxidação e às formas de contorná-la, por meio da física, biologia e medicina”, afirma o físico Antonio Martins Figueiredo Neto, coordenador do IMFCx. Por exemplo, uma das pesquisas relaciona a periodontite (doença do periodonto, caracterizada por inflamação das gengivas), ao aumento da LDL. O pesquisador explica que a doença periodontal leva à oxidação dessa proteína.
Segundo o pesquisador, a LDL sofre oxidação por meio de ataque de radicais livres, que, por sua vez, podem ser favorecidos pelo tabagismo, poluição e estresse. Uma vez oxidada, a lipoproteína representa o principal fator de diversas doenças cardiovasculares porque o sistema imunológico do corpo humano não a reconhece mais como algo próprio dele e inicia-se uma reação imunológica que está na base do processo de desencadeamento dessas doenças. Além disso, a LDL oxidada induz a formação de agregados moleculares, que formam placas nas paredes das artérias. A ruptura de alguma placa pode gerar um trombo (formação sólida no interior do vaso sanguíneo) e, em conseqüência, alguma doença cardiovascular.
Enquanto a HDL conduz o colesterol da corrente sangüínea para ser metabolizado no fígado e nesse processo auxilia a limpeza das artérias, pois transporta seus resíduos ali depositados, a LDL (assim como a VLDL) transporta o colesterol do fígado para os tecidos.
Com a técnica, denominada varredura Z, é possível diferenciar as propriedades físicas da LDL nativa (não oxidada) e oxidada de uma amostra de sangue, por meio dos índices de refração não linear. Apesar da técnica já estar desenvolvida, ainda não foi patenteada e não está disponível para exames.
Colesterol e doenças cardiovasculares
O colesterol é necessário ao organismo, uma vez que participa de alguns processos de geração de energia nas células, assim como da produção de hormônios sexuais, de enzimas digestivas e da membrana que envolve as células e da absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), essenciais ao organismo. As vitaminas A e E, por exemplo, previnem os danos causados pela oxidação dos ácidos graxos e pelos radicais livres, protegendo o organismo, seja no envelhecimento ou na deterioração da capacidade funcional.
Por outro lado, estatisticamente, há uma correlação entre os altos índices da LDL e baixos níveis da HDL com o risco do desenvolvimento de doenças cardiovasculares, que agem no sistema circulatório afetando o funcionamento do coração, dos vasos sangüíneos e dos vasos linfáticos. Enfarte do miocárdio, angina de peito, arteriosclerose e o acidente vascular cerebral são as enfermidades mais comuns. No Brasil, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia, as doenças cardiovasculares causam 300.000 óbitos por ano.
O Instituto do Milênio de Fluidos Complexos
O IMFCx é uma rede multidisciplinar de pesquisas sobre as propriedades dos fluidos não convencionais – considerados pelos físicos como matéria mole: cristais líquidos, fluidos magnéticos e de interesse biológico – e suas aplicações na produção industrial e na medicina. De acordo com o coordenador do Instituto, o estudo de sistemas de natureza biológica, como o sangue e seus componentes, está apoiado em conhecimentos multidisciplinares e técnicas experimentais da física da matéria condensada, em desenvolvimentos recentes da física estatística e em métodos e recursos computacionais.
Sediado no Instituto de Física da Universidade de São Paulo desde outubro de 2005, o IMFCx recebe apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Além das pesquisas, IMFCx tem como missão ampliar a comunicação entre os setores industriais, acadêmicos e educacional.