No último dia 26 de abril, um policial militar de João Pessoa (Paraíba) confundiu um rapaz com um bandido e o matou com um tiro na cabeça. A população da cidade, revoltada, colocou fogo na casa do policial e depredou a delegacia. O policial será indiciado por homicídio. Apesar desta imagem nada positiva da polícia estar presente na mídia e, da corporação acusar os jornais de serem os principais responsáveis pela disseminação de imagens como essa, a maioria das notícias é de caráter factual, sem expressar negatividade ou positividade em relação à instituição, mas incorre numa abordagem estreita e pouco aprofundada sobre violência e segurança. Isso é o que indica um estudo liderado pela pesquisadora Kathie Njaine, do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde (Claves), da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), da Fiocruz.
Para o estudo, foram analisados jornais de quatro capitais brasileiras consideradas violentas: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Vitória. O critério de escolha dos jornais para a pesquisa seguiu a mesma metodologia nas quatro cidades: dos dois jornais selecionados, um é direcionado para estratos mais pobres da população e outro para estratos mais abastados. Em São Paulo, os jornais escolhidos foram o Diário de São Paulo e Folha de São Paulo; no Rio de Janeiro, O Povo e O Globo; em Recife, Folha de Pernambuco e Diário de Pernambuco; em Vitória, A Tribuna e A Gazeta.
Das 2.851 notícias analisadas, entre outubro e novembro de 2004, 91,2% tinham caráter factual; 5,3% faziam uma imagem negativa da polícia e 3,5% uma imagem positiva. “A idéia de que a mídia demoniza a corporação policial não é verdadeira para a maioria dos casos”, diz Njaine. Ela ainda ressalta que 88,8% das notícias tratam de ações legais da polícia e 7,9% de ações ilegais.
Segundo a pesquisadora, as notícias negativas tratam em geral de ações reprováveis da polícia, como homicídios, maus tratos com a população, envolvimento com o tráfico de drogas, abuso de poder e insuficiência de efetivo. “Apesar da pequena quantidade de notícias que trazem um discurso negativo, elas são de grande impacto na sociedade”, diz a pesquisadora. Muitas dessas ações ilegais, como chacinas e casos de corrupção, são repercutidas em diversos jornais. Já as notícias de caráter positivo tratam de ações eficazes da polícia como orientações sobre segurança, investimento em segurança pública e qualificação dos policiais.
Um outro aspecto levantado por Njaine diz respeito às fontes de informação dos jornalistas. A pesquisadora revela que atrás dos 91,2% de notícias factuais, pode estar escondida uma distorção. A principal fonte de informação dos jornalistas são autoridades da polícia civil, seguido de autoridades da polícia militar, testemunhas, familiares das vítimas, as próprias vítimas e, por último, os acusados. “Em muitos casos a única fonte de informação da notícia é a polícia. Mesmo nos casos em que o jornalista vai ao local da ocorrência, a polícia geralmente chega antes e por isso a informação vem filtrada”, diz Njaine. Em muitos casos, a polícia pode encobrir acontecimentos. “A cobertura em loco é feita somente nos casos mais escandalosos sob o pretexto da falta de tempo para a produção notícias. Os jornalistas também evitam ir aos locais mais perigosos”, diz a pesquisadora. Assim, as vítimas dos possíveis atos ilegais da polícia não são ouvidas em grande parte das matérias. “Há pouco espaço para as diferentes vozes envolvidas em cada caso”.
Sensacionalismo e distorção colaboram para visão reduzida
Além da análise quantitativa das notícias, a pesquisa faz uma análise qualitativa. Njaine ressalta que em muitos casos, a construção das notícias pejorativas é composta por uma determinada narrativa das ações, que inclui termos como banda podre ou títulos como chove bala, aos quais a pesquisadora atribui uma conotação negativa da polícia. “Alguns jornais ainda carregam o estigma do velho jornalismo policial feito com sensacionalismo”, completa.
Essa forma de jornalismo sensacionalista é encontrada mais explicitamente em jornais populares, segundo Njaine, e de forma mais amena nos jornais direcionados às classes mais abastadas. “Muitos desses jornais mudam o nome da editoria de polícia para nomes mais amenos como Cidades ou Cotidiano”, diz ela.
As fotos também dizem muito sobre a forma como o jornal trata o assunto. Nos jornais populares, as fotos são mais explícitas, muitas vezes com a exposição da vítima. “Chega-se a publicar corpos de vítimas de assassinato nos casos em que a polícia está envolvida”, diz a pesquisadora.
De acordo com Njaine, são poucas as notícias que optam por uma abordagem analítica e oferecem ao leitor um quadro mais aprofundado sobre a questão da segurança pública. “A violência não é tratada como um problema social de maior abrangência. A maioria das notícias só relata o fato ocorrido”, afirma. A conseqüência disso é a falta de um debate público amplo sobre as causas da violência no país. “A mídia tem um importante papel na sociedade e um grande potencial nas ações de redução das formas de violência”, diz.