Mercosul na corda bamba

O Mercosul, que incorporou em julho a Venezuela, parece longe de se consolidar. De acordo com o especialista em assuntos internacionais Ricardo Ubiraci Sennes, “o Mercosul chegou ao limite de sua agenda tradicional”. Os interesses dos países membros ainda esbarram em conflitos que prejudicam a consolidação do bloco.

Nos últimos meses a imprensa tem divulgado manifestações contra e a favor do bloco econômico sul-americano por parte dos governos dos países-membros. O bloco, que incorporou um quinto país, a Venezuela, no dia 4 de julho, parece longe de se consolidar. De acordo com Ricardo Ubiraci Sennes, diretor da Prospectiva, consultoria brasileira de assuntos internacionais, “o Mercosul chegou ao limite de sua agenda tradicional, ou seja, aquela na qual se baseou a primeira e bem sucedida fase de 1991 a 1998”.

Para Sennes, essa fase de 1ª abertura regional e acomodação parcial criou uma série de outras demandas sobre as quais os governos do bloco decidiram não avançar, em particular na área de convergência de algumas políticas micro-econômicas e em mecanismos financeiros básicos para apoiar a integração.

Os interesses do bloco estão em conflito. Tabaré Vázquez, presidente do Uruguai, afirmou que o Mercosul não serve aos interesses do seu país e negocia um acordo com os Estados Unidos que poderá desligar o país do bloco, já que são proibidos tratados que não sejam conjuntos. O Paraguai reclama das barreiras comerciais impostas pelo Brasil e pressiona o país a baixar os juros da dívida. No mês passado, o presidente Lula disse, durante a 30ª Reunião de Presidentes do Mercosul, que o Brasil tem a obrigação de ajudar no desenvolvimento dos países mais pobres do bloco (Paraguai e Uruguai). Nestor Kirschner, presidente argentino, afirmou que o Mercosul deseja uma integração atrativa para todos.

Há ainda divergências com países associados. A Bolívia ainda não chegou a um consenso com o Brasil sobre o preço do gás natural boliviano, que supre 50% do consumo brasileiro de gás natural. Já o Chile discute a questão energética com a Argentina, pois terá que pagar duas vezes pelo gás importado da Bolívia e repassado pelo governo argentino. “O Brasil é um dos maiores interessados na integração energética regional, mas nem sempre se comporta dessa maneira”, diz Sennes. “O projeto brasileiro de regionalização de sua matriz energética é ainda dúbio e pouco claro aos demais parceiros, tanto por parte dos governos da região como das empresas privadas que atuam e querem atuar na área”.

Apesar dos obstáculos, Sennes acredita que o Mercosul seja um sucesso e um marco histórico. “É uma experiência nova na região e já mostrou um enorme e inusitado grau de efetividade. Seu problema é estar estratégica e politicamente estagnado”. Essa estagnação começa agora a impor custos mesmo para as áreas bem sucedidas da 1ª fase desse processo. O especialista diz que existem vários temas onde a interação regional faz enorme sentido, político e econômico. “Mas existem temas onde uma estratégia regionalista não se adequa. Isso faz com que o Mercosul não possa ser entendido como estratégia externa única do país. É necessário avaliar o Mercosul sob essa lente”.

Aldo Ferrer, economista argentino e professor titular da Universidade de Buenos Aires (UBA), acredita que o Mercosul foi um êxito e o bom aproveitamento de seus recursos poderá resolver o problema fundamental da América Latina, que é o problema da desigualdade e da pobreza. Em entrevista à GloboNews exibida no último dia 7, Ferrer afirmou que “a América Latina aprendeu muito com as frustrações do passado” e que “nesse cenário que se abre na América Latina, as perspectivas de integração são grandes”.

Desrespeito à TEC

A plena vigência da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC), utilizada para as importações originadas de países não integrantes do bloco, estava prevista para este ano, mas foi prorrogada. No entanto, os países-membros às vezes a desrespeitam, baseados em argumentos macroeconômicos.

A partir de 2001, as alterações nas tarifas promovidas pelo governo argentino, e posteriormente pelo governo uruguaio, principalmente sobre bens de capital, têm provocado discussões sobre uma eventual reforma tarifária no Mercosul ou, até mesmo, a substituição da união aduaneira atual por uma zona de livre-comércio, o que permitiria a cada país-membro autonomia na condução de sua política comercial.

Sennes acredita que o Mercosul sofre dos mesmos males da maior parte das políticas públicas no Brasil que é a imposição de vetos importantes por pequenas minorias. “Algum nível de perfuração da TEC é tolerável, mas o acúmulo excessivo de exceções é danoso ao projeto. Dadas as assimetrias entre os países do acordo e mesmo entre regiões desses mesmos países, é impossível imaginar um projeto de integração equilibrado derivado apenas de políticas tarifárias”. Assim, seriam necessários avanços na convergência e integração de outras políticas micro-econômicas, seja ela de crédito, tecnológica ou de exportação.

A hipótese de transformar a união aduaneira em uma zona de livre-comércio pode ser interessante para os que vêem o Mercosul como projeto apenas econômico, na opinião do especialista. “Eu não entendo o Mercosul dessa maneira. O bloco faz parte de uma estratégia regional do país de coordenar esforços em várias frentes, comerciais e não comerciais, e que demandam soluções e políticas de caráter regional. O Brasil tem a ganhar com isso tanto em termos de estabilidade regional, efetividade de políticas públicas e mesmo de benefícios econômicos para grupos importantes”.

A pluralidade de opiniões sobre a efetividade da integração no bloco já é suficiente para sinalizar sua instabilidade. Já em 2003, em seu discurso de posse, Lula anunciava: “esse projeto [do Mercosul] repousa em alicerces econômico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforçados”. O cenário atual sugere que essa urgência permanece.