Medicamento controverso para reposição hormonal chega ao mercado

Farmácias de todo o país já estão recebendo um medicamento fitoterápico fruto de estudo da Unicamp coordenado por Yong Kun Park. No entanto, o uso do princípio ativo isoflavonas agliconas de soja na reposição hormonal ainda gera controvérsias. Profissionais da área de ginecologia divergem sobre a comprovação de sua eficácia.

O medicamento fruto do primeiro contrato de licenciamento de patente realizado pela Agência de Inovação (Inova) da Unicamp acaba de chegar ao mercado. Usado na terapia de reposição hormonal, o fitoterápico tem como princípio ativo as isoflavonas agliconas de soja obtidas através de uma técnica desenvolvida na Universidade Estadual de Campinas por Yong Kun Park, pesquisador da Faculdade de Engenharia de Alimentos. No entanto, o uso das isoflavonas na reposição hormonal ainda gera controvérsias. Profissionais da área de ginecologia divergem sobre a comprovação de sua eficácia no controle dos sintomas do climatério e fazem algumas ressalvas quanto à sua utilização.

O contrato de licenciamento de patente concede a uma empresa de Maringá (Paraná) o direito de usar a tecnologia agregada ao processo de extração da isoflavona da soja e transformação das isoflavonas glicosiladas em agliconas.

Isoflavonas glicosiladas e agliconas são isômeros, ou seja, substâncias que apresentam fórmulas moleculares idênticas, mas que diferem em suas fórmulas estruturais. Na natureza, as isoflavonas encontram-se predominantemente na forma glicosilada, que é biologicamente inativa, ou seja, não tão bem absorvidas pelo organismo. O processo de transformação das isoflavonas glicosiladas em agliconas ocorre normalmente no aparelho digestivo, ainda que em pequena escala. O alvo da pesquisa de Park foi a extração das isoflavonas glicosiladas da soja e sua transformação, em laboratório, em isoflavonas agliconas, utilizando uma enzima produzida pelo fungo Aspergillus oryzae.

Muitos outros medicamentos contendo isoflavonas já estavam no mercado, contudo o diferencial desse produto é sua composição, que conta com 100% de isoflavonas agliconas. “A isoflavona aglicona tem maior atividade biológica”, explica o Park. Segundo ele, há apenas uma outra empresa japonesa, que comercializa medicamentos com isoflavonas agliconas.

Segundo Helena Meneguetti Hizo, diretora de pesquisa e desenvolvimento da empresa de Maringá, o produto é natural, sem os efeitos colaterais dos estrogênios sintéticos. “Ele reduz ondas de calor e suor noturno, previne a perda de massa óssea, ajuda no sistema cardiovascular porque atua como redutor do colesterol”, elenca. Os resultados podem ser observados em uma semana, afirma ela.

A pesquisa, que durou cerca de dois anos, foi realizada por Park e mais quatro alunos de pós-graduação e contou com o apoio da Fapesp e do CNPQ. A patente foi depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em setembro de 2000, o contrato com a empresa paranaense foi firmado em maio de 2004 e o produto final foi liberado pela Anvisa em 2005. Contudo, o lançamento oficial do medicamento só aconteceu no último dia 11 de setembro. A Unicamp e o pesquisador vão receber os royalties e a empresa preferiu não divulgar o valor do investimento com a pesquisa e produção do remédio.

O produto, que não pode ter seu nome divulgado por ser vendido exclusivamente com prescrição médica, é comercializado como medicamento fitoterápico destinado ao alívio dos sintomas da menopausa. Disponível em embalagens com 30 cápsulas, contém 60 miligramas de isoflavonas agliconas de soja e é sugerido como substituto ao estrogênio na terapia de reposição hormonal.

O mercado de reposição hormonal no Brasil é bastante grande. Segundo levantamento da empresa de Maringá, realizado com dados da pesquisa nacional por amostragem de domicílios 2000-2004 do IBGE, a população feminina em faixa de idade ideal para consumo de reposição hormonal ultrapassa 16 milhões de pessoas. Além desse público potencial, a empresa pretende levar seu produto para outros países. “Já estamos em negociação com o Peru, Argentina, Costa Rica e alguns países da Europa”, afirma Meneguetti.

Park se diz muito satisfeito com o resultado da parceria com a empresa. “Esse tipo de parceria deve ser fortemente incentivado para ajudar no progresso do país”, acredita ele. “Países desenvolvidos fazem freqüentemente parcerias entre universidades e empresas”, completa.

Sem consenso

Apesar disso, o uso das isoflavonas na reposição hormonal ainda gera controvérsias. “Pela semelhança com o estrogênio natural, a isoflavona da soja pode diminuir a intensidade e a freqüência dos sintomas climatéricos em aproximadamente 50% a 60% das mulheres na menopausa”, afirma Eliana Aguiar Petri Nahás, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu. Vicente Renato Bagnoli, do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de São Paulo (USP), faz ressalvas. “Até o momento, não existem estudos conclusivos sobre o tema. Os mais bem realizados sugerem efeito semelhante ao placebo, isto é, pouco alívio dos sintomas”, avalia.

“A maioria das observações s​_obre o uso da isoflavona da soja para o alívio das ondas de calor – diz Nahás – é baseada em estudos realizados em regiões de alto consumo de soja, como o Japão e a China, onde a utilização da isoflavona é muito antiga”. Segundo ela, menos de 25% das mulheres japonesas e 18% das chinesas apresentam ondas de calor, porcentagem que chega a 85% das americanas e 70%-80% das européias. “Atribui-se estas diferenças, em parte, à dieta”, explica. Ela completa informando que a população asiática ingere de 40 a 50 mg de isoflavona de soja ao dia, enquanto que a média de consumo nos Estados Unidos não passa de 3 mg ao dia.

Mauro Abi Haidar, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e chefe do Setor de Ginecologia Endócrina e Climatério, é favorável ao uso das isoflavonas de soja. “Porém – segundo ele – as isoflavonas não são um substituto para os estrogênios, mas sim uma alternativa para as pacientes que não possam ou não querem fazer terapia hormonal convencional”. Bagnoli da USP concorda e afirma que os efeitos dos estrogênios no controle dos sintomas da menopausa são excelentes e muito superiores aos das isoflavonas. “Assim, mulheres com sintomas moderados ou acentuados não serão tratadas com estrogênios somente se houver contra-indicação”, completa.

Nahás aponta que “a isoflavona da soja constitui-se uma alternativa para a mulher com sintomas climatéricos, como ondas de calor e suores noturnos, leves a moderados”. Segundo estudo realizado por ela, além do alívio das ondas de calor, o uso regular das isoflavonas pode proporcionar aumento do “colesterol bom” e redução no colesterol total e do “colesterol ruim”.

Já Aarão Mendes Pinto Neto, do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, pondera que ainda se conhece pouco sobre os possíveis efeitos adversos que a utilização das isoflavonas pode gerar. Para ele, a literatura mundial ainda não é conclusiva sobre os efeitos deste tipo de reposição hormonal. “Por isso – revela – nós não utilizamos as isoflavonas no ambulatório de menopausa da Unicamp”.

Bagnoli também acredita que ainda não existe comprovação científica de que as isoflavonas sejam eficientes no controle dos efeitos da menopausa. “Porém, existem estudos com metodologia adequada já em fase final que trarão boas contribuições”, avalia. Pinto Neto se junta ao coro. “Este é um campo promissor de pesquisa”.