Após o ano de 2001, os dias que circundam o 11/9 são sempre um período de discussão sobre terrorismo. Cinco anos após a queda das torres do World Trade Center, o Núcleo de Sociabilidade Libertária (Nu-Sol) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) transforma o debate em livro, colocando o tema no plural: terrorismos. A publicação traz uma análise filosófica que se contrapõe a visão que tem predominado nas relações internacionais.
Também abordando o tema, pela terceira vez no Brasil, Martha Crenshaw apresentou em agosto para o Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI) da USP o seminário “Terrorismo e Segurança Internacional”. Crenshaw, que detém a cátedra para assuntos globais e pensamento democrático da universidade estadunidense de Wesleyan, destacou na apresentação que após o ataque, o terrorismo é uma séria ameaça à segurança global, assim como que uma resposta a esse perigo requer a cooperação internacional e um consenso de que esta prática é inaceitável.
Para especialistas internacionais, a estratégia para combater o terrorismo é conhecer a suas origens e motivações. Nessa direção, pesquisas sobre aspectos políticos e culturas, e sobre o perfil psicológico dos terroristas; fatores econômicos e religião são realizadas.
Mas, afinal o que é terrorismo? Crenshaw explica que a definição do que é terrorismo gira em torno de muita controvérsia. Desde 1973, após o ataque das olimpíadas de Munique, Organização das Nações Unidas (ONU) tenta definir o que é terrorismo. Após 12 convenções, um painel – do qual a Crenshaw participou – o órgão chegou a conclusão que meios e fins devem ser separados, e afirma que “terrorismo é qualquer ação que tem como objetivo causar a morte ou provocar ferimentos graves em civis ou qualquer pessoa que não participa ativamente das hostilidades numa situação que visa intimidar a população ou compelir um governo ou uma organização internacional a fazer ou a deixar de fazer qualquer ato”.
O cientista político Edson Passetti, da PUC-SP, um dos organizadores do livro “Terrorismos” critica as tentativas de definição, pois acredita ser impossível chegar a algo universalmente aceitável. “Terrorismos são vários – defende o sociólogo. Seja do Estado para sociedade, seja da sociedade para o Estado, para conservá-lo ou para acabar com ele. Terrorismos não cessam; somente se desdobram”.
Além disso, Passetti explica que terrorismos – no plural – remete a idéia de que qualquer definição de terrorismo será sempre política e estará relacionada a uma determinada força social. Por outro lado, Passetti chama a atenção para que nem sempre movimentos de contestação, guerrilhas ou rebeliões são formas de terrorismo. Isso não pode ser assim explicado apenas porque envolve uma ação violenta, localizada, que possui um alvo, um objeto.
Crenshaw focaliza o terrorismo contemporâneo como um desdobramento da Guerra Fria, defendendo que a Al Qaeda, criada em 1988 por Osama bin Laden, é uma conseqüência da invasão soviética ao Afeganistão e Paquistão. Os muçulmanos (principalmente do Oriente Médio) viram nesse movimento uma ameaça ao Islã. Além disso, identifica como fonte a globalização, onde as pessoas marginais aos seus processos tornam-se agressivas, e a falta de democracia.
Por outro lado, o grupo de pesquisadores que participa do livro organizado por Passetti faz uma análise contextualizada em um momento histórico anterior. Para eles, o terrorismo contemporâneo surge como decorrência da revolução francesa por meio do terrorismo de Estado para conservar a revolução. Como desdobramento, surge os terrorismos da sociedade contra o Estado. Em ambos os casos, é “a continuação da política por outros meios”, cuja reação, com a justificativa de se defender, também é uma forma de promover o terror.
Para outro autor do livro, o filósofo Oswaldo Giacoia Júnior, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), há práticas terroristas diferentes e concorrenciais, todas elas recorrendo e encontrando justificação ideológica numa espécie diversa de fundamentalismo. Giacoia ainda destaca a crise de valores do ocidente, que vincula niilismo e fundamentalismo, no cenário do terrorismo contemporâneo. Na mesma direção, o filófoso Peter Pál Pelbart, da PUC-SP, defende que terrorismo é a contra-face do niilismo ocidental, quando o consumismo do ocidente se contrapõe ao fundamentalismo.
Para os autores do livro, terrorismo contemporâneo começa de uma ação do Estado contra uma população local, ou seja, dentro de um território nacional. Contudo, após o 11/09, analistas brasileiros e internacionais concordam que ele passa a ser transterritorial. O conflito não está mais no âmbito do Estado contra a sociedade e/ou da sociedade contra o Estado, mas passa a ter uma abrangência global.
Embora a ONU tenha uma definição para terrorismo, não existe um conceito jurídico penal internacional para a prática. Seja para o terrorismo de contestação – para conquistar poder – quanto para o de Estado – para mantê-lo. É o que detecta o jurista Nilo Batista da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Entretanto, o que se percebe, é a desconstrução da base de universalidade dos direitos humanos, em ambos os lados, segundo o jurista. Além disso, Batista explica que os elementos jurídicos para conceitualizar terrorismo como crime são: causar dano considerável a pessoas e/ou coisas; pela criação real ou potencial de terror ou intimidação generalizada e pela finalidade político-social.
Segundo a cientista social Salete Oliveira, da PUC-SP, também organizadora da publicação, o livro “Terrorismos” discute os encontros e distanciamentos de diferentes práticas terroristas e é parte integrante da pesquisa Políticas libertadoras, tolerância e experimentação de liberdade, do Prodoc-Capes junto ao programa de estudos de pós-graduação em sociais da PUC-SP, assim como integra as atividades de comemoração dos 60 anos da instituição.