Amanhã, 29 de agosto, o movimento lésbico no Brasil comemora o Dia da Visibilidade Lésbica. Uma das bandeiras de luta que mobiliza o movimento é a reivindicação por alterações no atendimento à saúde dessas mulheres. Pesquisadores reconhecem a existência de problemas na forma como o “corpo lésbico” é tratado pelos médicos e reforçam a necessidade de mudanças no atendimento realizado nos consultórios ginecológicos, bem como a extensão dessa discussão por todo sistema de saúde. Acreditam que assim seria possível contribuir de forma mais efetiva para a prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) nessas mulheres. Uma das defensoras dessa posição é a antropóloga Gláucia Elaine Silva de Almeida, que focalizou em sua pesquisa de doutorado os “Percursos do ‘corpo lésbico’ na cena brasileira face à possibilidade de infecção por DST/Aids”, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A pesquisadora da Unicamp Regina Facchini, que foi ao 11º Congresso Mundial de Saúde Coletiva, realizado no Riocentro (RJ) de 21 a 26 de agosto, para tratar do assunto, é enfática ao se posicionar sobre a criação de uma política pública de saúde para as mulheres lésbicas. “Vivemos numa sociedade conservadora, e a área médica também procede de forma tradicional, partindo do pressuposto que a mulher seja heterossexual e se esquece da existência da homossexualidade, o que dificulta uma maior prevenção”, afirma.
A pesquisa realizada por Gláucia Almeida apresenta elementos que fundamentam a discussão, o que era uma tese tornou-se um modelo de política pública de atenção à saúde lésbica. Segundo ela, a anamnese realizada com as pacientes (uma espécie de entrevista que levanta dados das pacientes antes da observação clínica) precisa passar por uma reestruturação, que envolve tanto uma nova orientação para o médico ginecologista quanto para a paciente. Na pesquisa, os médicos entrevistados foram unânimes em afirmar que na relação sexual entre mulheres também há possibilidade de infecção de doenças como hepatite, gonorréia, vaginose bacteriana, dentre outras. Embora conscientes disso, a maioria dos médicos não leva em consideração o lesbianismo durante a anamnese.
O despreparo técnico do médico é outro ponto levantado pela pesquisa. Os médicos entrevistados criticaram a formação médica, apontando para a necessidade de maior diálogo com as pacientes, para ouvir as questões sexuais da mulher. “A participação deste profissional de forma adequada vai contribuir para reduzir o preconceito, mas para isso, ele precisa ter informação de como agir e aprender com elas que precisam ter atitude de se abrir”, avalia Gláucia Almeida. O tocoginecologista e professor na Unicamp, Aarão Mendes Pinto Neto, concorda com as conclusões do estudo. “Há deficiência na formação médica neste quesito da sexualidade, que precisa ser colocado em discussão”, opina ele.
Regina Maria Barbosa, do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, também critica a falta de conhecimento dos profissionais. “Os serviços de saúde não preparam seus profissionais para um atendimento adequado. Dessa forma, a qualidade com a atenção feminina tende a ser mais precária, não abrangendo o público lésbico. Falta uma proposta de prevenção para estas mulheres”, enfatiza. A pesquisadora, junto com Regina Facchini, elaborou um Dossiê sobre a saúde das mulheres lésbicas, sob encomenda da Ong Rede Saúde. Contudo, os cientistas são unânimes em afirmar que não há dados sobre o universo lésbico, nem ao menos um subsídio epidemiológico. “A falta de reconhecimento é um problema em potencial, pois sem estudos não há investimento sério neste segmento”, diz Gláucia Almeida.
Visibilidade nacional
Organizações civis dirigidas ao público homossexual feminino, como o Movimento Lésbico de Campinas (Moleca), e ações do Ministério da Saúde (MS), por meio da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, têm contribuído para aumentar a visibilidade lésbica. A organizadora da III Mostra de Arte Lésbica (evento amplo para apresentar e discutir o cenário lésbico, por meio de fotografias, arte cênica e audiovisual) e coordenadora do Moleca, Maria Amélia, vê com entusiasmo estas ações isoladas. “É uma forma de trazer um pouco da nossa vida, também abrirmos a discussão para a comunidade e reduzir o preconceito”, reflete.
Estes tipos de movimentos e as iniciativas do MS são considerados válidos pelos cientistas políticos para a visibilidade homossexual feminina. Entretanto, advertem que essa discussão precisa ser estendida aos gerentes e gestores dos serviços, bem como aos profissionais dos serviços de saúde. “A capacitação é um caminho, o outro, é aumentar a visibilidade da homossexualidade feminina através da disseminação de informações”, diz Regina Barbosa.
Gláucia Almeida ressalta, ainda, que a cartilha específica para Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT), “Chegou a hora de cuidar da saúde”, elaborada pela área técnica da Saúde da Mulher em parceira com o Programa Nacional de Hepatites Virais e o Programa Nacional de DST/Aids do MS, ainda precisa ser aprimorada. “É preciso desenvolver um material específico para atender a demanda”, observa. Apesar da maioria dos profissionais da saúde partir do pressuposto da heterossexualidade da mulher, “a clandestinidade da mulher homossexual é dos grandes problemas para sua visibilidade. Elas preferem se expor o menos possível para evitar a revelação de sua opção sexual. Acho que essa postura precisa começar a mudar por algum ponto, a saúde pode ser um primeiro”, avalia a antropóloga.