A falta de políticas voltadas para a mineração em terras indígenas preocupa as organizações sociais envolvidas, que se mostram indignadas e fazem duras críticas ao anteprojeto de Lei de Mineração em Terras Indígenas, que tramita no Congresso Nacional. A invasão das instalações da Companhia Vale do Rio Doce em Carajás (PA), no final do mês passado pelas comunidades indígenas Xikrin do Catete e do Djudjêkô, é exemplo de que o caminho a ser percorrido para uma regulamentação que propicie o diálogo entre as mineradoras e as comunidades é longo e repleto de obstáculos.
“O anteprojeto deveria ser um mecanismo para fechar a lacuna da falta de políticas para as comunidades indígenas, entretanto, precisa ser reelaborado para cumprir este objetivo”, avalia o assessor de Políticas Indígena e Socioambiental do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Ricardo Verdum. Uma das criticas feitas por Verdum à proposta toca na falta de participação das lideranças indígenas, como os coordenadores da Coordenação de Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), no processo de construção do texto. Quando muito, o texto se refere a participação das comunidades locais afetadas ou envolvidas no empreendimento minerário.Além disso, ele aponta a falta de referência no documento à Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), instituída pelo governo federal em março de 2006.
Verdum avalia que a ausência no anteprojeto das noções de participação e controle social indígenas, sobre a gestão e os resultados da implementação política, torna evidente a preocupação mercantil e arrecadadora da iniciativa. “Não é à toa que ouvimos do Ministro da Justiça o discurso sobre os bilhões de dólares que poderão ser anualmente recolhidos aos cofres do governo”. Para ele, essa iniciativa poderá se configurar como uma “expropriação organizada, na prática, de territórios e riquezas indígenas”.
As associações de comunidades indígenas e as empresas reclamam da necessidade de políticas que equilibrem a negociação entre ambas, minizando os conflitos e evitando as invasões nas empresas parceiras, como as ocorridas ao longo deste ano, no Pará e Mato Grosso, por exemplo. Por conta da invasão, a Companhia Vale do Rio Doce cancelou os termos de compromisso que tinha com as comunidades indígenas Xikrin, onde previa desembolso de R$ 9 milhões este ano. O assessor de comunicação da Coiab, Paulino Montejo, reforça a necessidade da criação de políticas direcionadas à exploração de terras indígenas, uma vez que também há discordâncias entre as diversas comunidades indígenas. “Alguns índios querem expropriação, outros querem administrar o próprio negócio, é preciso maior discussão, antes de levar o debate ao congresso. Faremos isso no final deste mês”, afirma.
Entretanto, na análise feita pelo Inesc, o anteprojeto propiciaria abertura para outras empresas de mineração sem oferecer preferência para os povos indígenas. A proposta original é instituir dois regimes de exploração de recursos minerais: o especial para as atividades de pesquisa e lavra de recursos minerais em terras indígenas, e o de extrativismo mineral indígena. Ambos só poderão agir em terras indígenas homologadas. Diante de críticas e divergências entre os próprios índios, que não foram consultados para elaboração do texto da Lei, as comunidades se preparam para levar a pauta para um encontro nacional no final deste mês e aprofundar o debate.
E não é só isso. O anteprojeto propõe a criação de um fundo no âmbito do Ministério da Justiça a ser gerido pelo órgão indigenista federal: o denominado Fundo Compartilhado de Receitas sobre Mineração em terras indígenas. Este fundo deverá ser gerenciado pela Funai e não há sinais de que haverá alguma participação de líderes indígenas na gestão dos recursos.
O anteprojeto, embora seja entendido pelo governo federal como resultado da sua política democrática e de inclusão social, não atinge as expectativas das diferentes partes envolvidas no processo. “Por isso, os líderes indígenas vão barrar o processo, discuti-lo melhor, para ampliar os direitos indígenas e inseri-los no projeto”, resume Verdum.