Lei confere respaldo político à agricultura familiar

A Lei da Agricultura Familiar, sancionada no final de julho prevê a articulação de políticas da agricultura familiar com as políticas agrícolas e de reforma agrária. Os movimentos rurais consideram a Lei uma “vitória”, por representar a garantia de políticas de crédito, infra-estrutura e serviços ao segmento.

A Lei da Agricultura Familiar, que estabelece a Política Nacional de Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais (Lei 11.326/06), recebeu sanção presidencial no dia 24 de julho, tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional 20 dias antes. Além de estabelecer legalmente o conceito de “agricultor/a familiar”, prevê a articulação de políticas da agricultura familiar com as políticas agrícolas e de reforma agrária. Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) classificou a regulamentação como uma “vitória”, uma vez que deve representar a garantia de políticas de crédito, infra-estrutura e serviços, assistência técnica e extensão rural, pesquisa e comercialização ao segmento. A agricultura familiar é responsável hoje por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e representa 40% do PIB na agropecuária.

A lei da agricultura familiar é uma reivindicação de mais de 10 anos dos movimentos rurais. O fato de ter permanecido tanto tempo “na gaveta” serve de argumento para aqueles que acreditam que os pequenos produtores são relegados a segundo plano quando o assunto é política pública e alocação de recursos. No centro das preocupações estaria o chamado “agronegócio”, responsável pelas grandes cifras da agricultura brasileira.

Mas há quem discorde. Marcos S. Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), afirmou em recente artigo que “nos últimos seis anos os recursos para agricultura familiar e políticas agrárias aumentaram cerca de 10% ao ano, em termos reais, atingindo R$ 5,5 bilhões, ou 45% dos gastos totais com o setor agropecuário (ante apenas 6% do total nos governos Sarney, Collor e Itamar). Em contrapartida, os gastos com as políticas agrícolas tradicionais caíram 4,3% ao ano no mesmo período. Itens como defesa sanitária, extensão rural, irrigação, eletrificação rural e promoção comercial tiveram corte de gastos entre 11% e 35% ao ano. Caíram também, a uma taxa menor, os recursos para pesquisa agropecuária, abastecimento alimentar e subvenções diversas”. Ele critica o fato de os recursos públicos para o setor agrícola estarem hoje espalhados em programas coordenados por quatro ministérios – Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Pesca e Meio Ambiente.

Contudo, na avaliação de Antonio Lázaro Sant’Ana, professor da área de Sociologia Rural da Unesp, “esses dados parecem desconsiderar um fato óbvio: do total de recursos destinados ao crédito agrícola, mais de 83 % são destinados a chamada agricultura empresarial”. Para confirmar isto, ele menciona o Plano Agrícola e Pecuário 2006/2007, documento que prevê a alocação de verbas do Ministério da Agricultura para a próxima safra. “O Plano projeta a aplicação de R$ 60 bilhões no crédito rural, sendo R$ 50 bilhões para a agricultura comercial e R$ 10 bilhões para a agricultura familiar. Este aumento dos recursos para a agricultura familiar, portanto, está longe de ser o ideal, especialmente a parte de investimentos”, afirma.

Na prática

Por reconhecer a agricultura familiar como segmento produtivo, a nova lei vem sendo comemorada como um marco para as políticas públicas destinadas ao desenvolvimento rural, já que agora elas podem adquirir um caráter permanente, indo além do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – temporário por depender da vontade do governo vigente.

Pela nova lei, são agricultores/agricultoras familiares aqueles cuja propriedade rural tem até quatro módulos fiscais (medida de área que varia conforme o município); utilizam predominantemente mão-de-obra da própria família, inclusive para dirigir o empreendimento; e possuem renda familiar originada basicamente nas atividades do próprio estabelecimento. Estão incluídos, além de produtores rurais, silvicultores, aqüicultores, extrativistas e pescadores artesanais que atuam em pequena escala.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a agricultura familiar reúne atualmente 4,2 milhões de estabelecimentos familiares, representa 84% dos estabelecimentos rurais e emprega 70% da mão-de-obra do campo. Além disso, é responsável pela maioria dos alimentos na mesa dos brasileiros: 84% da mandioca, 67% do feijão, 58% dos suínos, 54% da bovinocultura do leite, 49% do milho, 40% das aves e ovos, 32% da soja, entre outros.