A juventude negra baiana acaba de ganhar mais um espaço para expor, discutir e combater problemas relacionados à discriminação racial e social, bem como ter acesso à cultura, informação e reflexão crítica sobre os acontecimentos sociais. O Escritório Garantia de Direito da Juventude Negra foi uma conquista de jovens que têm entre 18 e 24 anos e que atuam no Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceafro), vinculado à Universidade Federal da Bahia (UFBA), em conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
A idéia é que a programação e o atendimento sejam feitos pelos próprios jovens que, com uma linguagem mais próxima, tanto corporal quanto gestual, vão fazer o devido encaminhamento dos casos de discriminação ou violência que ocorram no meio juvenil. Através deste Escritório, os movimentos organizados da juventude negra receberão auxílio para diversos casos, como violência doméstica e urbana, discriminação sexual, racial ou étnica, intolerância religiosa, dentre outras formas de violação de direitos.
Apesar do Escritório ser mais um órgão voltado para esta questão na região metropolitana de Salvador, onde cerca de 82% da população é negra – dados do Mapa da população negra no mercado de trabalho no Brasil, encomendado ao Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) -, há um grande diferencial em relação aos outros programas existentes. Segundo o técnico pedagógico do Ceafro, Agnaldo Neiva, além de conscientizar a população jovem negra por meio de informações, o Escritório terá a função de encaminhar todos os casos de violência e discriminação aos órgãos competentes, o que não acontecia anteriormente. “O novo espaço permitirá que os jovens deste lugar comecem a estudar e discutir políticas de atendimento que propiciem a redução da desigualdade social e da discriminação”, complementa.
A criação do órgão vem mostrar a força que o segmento jovem pode ter na sociedade para reduzir o nível de exclusão, que ainda é alto na própria capital e região metropolitana da Bahia, segundo o Dieese. Em pesquisa realizada em 2002, o Departamento apontou que 45,6% dos jovens negros não tinham oportunidades no mercado de trabalho e que 67,3% compunham a força de trabalho como ocupados ou desempregados. A realidade baiana apontada pela pesquisa contribuiu para reforçar a proposta de se criar o Escritório.
O economista Silvio Humberto dos Passos Cunha, diretor executivo do Instituto Cultural Steve Biko, analisa o Escritório como uma necessidade para a região. “Esses espaços são criados como uma forma de proteção aos jovens negros que estão sob condições de pobreza e discriminação social, causando um impacto fantástico. Usam a própria linguagem juvenil para mediar conflitos e ao mesmo tempo geram trabalho e renda, combatendo as desigualdades sociais”, enfatiza.
Falhas no sistema de garantia de direitos dos jovens negros, observadas pelos próprios jovens do Ceafro, também serviram de estímulo à criação do Escritório. Neiva ressalta que os jovens do Centro perceberam várias brechas para atuar, uma delas na própria política de atendimento. “No caso de crimes contra crianças ou jovens negros, por exemplo, não se sabia como deliberar o caso. Os próprios jovens não tinham condições de encaminhar o problema. O novo espaço fornecerá suporte e estrutura para isso”, observa.
O Escritório se apresenta como mais uma oportunidade de se propiciar um espaço de reflexão e expressão na vida dos jovens, como demonstrou um estudo realizado em novembro do ano passado, com 162 jovens de diferentes classes sociais, idades e localidades, pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) na Região Metropolitana de Salvador. Embora os entrevistados sejam de etnias distintas, grande parte deles tem a mesma convicção: a necessidade de participarem da vida pública, com o intuito de melhorar o seu meio e a sua comunidade. De todos os pesquisados, 27,5% têm atuação de forma diversa neste quesito e acreditam no poder político do jovem para a melhoria da sociedade. Dentre as preocupações mais latentes que encontram na vida pública estão a violência, o desemprego e a desigualdade social.
Multiplicar a experiência
A proposta inicial do Escritório, que além de Salvador engloba também Sergipe, é se ramificar em outros estados e regiões em que tenham movimentos da juventude negra atuantes. Entretanto, a técnica executiva do Escritório, Glaucia Dantas, de 19 anos, adverte que “para isso será necessário que os grupos sejam ativistas, levantem a situação e condição social de onde vivem, façam a devida avaliação e rompam bloqueios relacionados a sua condição social”.
Conforme as diretrizes do novo espaço, os integrantes do Escritório participarão de atividades como oficinas, palestras e terão acesso a teatro, cinema, farão visitas a museus, bibliotecas e universidades. Além disso, serão levados para realizar debates nas próprias comunidades sobre assuntos pertinentes à exclusão negra.