O doutorando Paulo Dainese, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp, conseguiu aos 27 anos um feito aspirado por muitos pesquisadores veteranos. No mês maio, um artigo em que assina como primeiro autor – entre pesquisadores da Universidade de Bath, da Inglaterra, do Instituto Max-Planck, da Alemanha, e do Institut Femto, da França -, figurou na capa da edição de 1º de maio da Optics Express, publicação on line da Optical Society of América (OSA). E no mês de junho, outro artigo sobre o mesmo tema, com um enfoque diferente, foi destaque na revista on line e na versão impressa da Nature Physics.
Os artigos apresentam os resultados alcançados nas pesquisas que ele realizou durante o seu doutorado, no Laboratório de Comunicações Ópticas (LCO), do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) da Unicamp. Orientado pelo coordenador do Cepof, o professor Hugo Fragnito, Dainese estudou o espalhamento estimulado de Brillouin em fibras de cristal fotônico.
O efeito Brilloiun ocorre em diversos materiais e foi primeiramente estudado pelo físico francês Marcel Brillouin (1854-1948). Como explica a pesquisadora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPDQ), Miriam Regina Xavier de Barros, especialista em Comunicações Ópticas, com pós-doutorado em telecomunicações pela Lucent Technologies, dos Estados Unidos, este efeito é bem conhecido em fibras ópticas convencionais, usadas para transmissão de sinal pelas operadoras de telecomunicações para interligar estações em cidades diferentes. Ele ocorre quando a intensidade da luz injetada na fibra óptica é forte e é considerado um efeito indesejável, pois causa perda de parte do sinal injetado na fibra. “É muito importante compreendê-lo, para evitar que ele ocorra”, afirma.
No caso das fibras ópticas fotônicas, desenvolvidas na Universidade de Bath, em 1995, esse efeito consiste num espalhamento de luz causado pela interferência de ondas acústicas, chamadas fônons, no núcleo da fibra, que limita a potência de transmissão óptica.
Diferentemente da fibra óptica convencional, construída em vidro, em que o núcleo por onde a luz é transmitida é circundado por uma casca compacta, a fibra de cristal fotônica, idealizada com o intuito de maximizar o potencial de transmissão óptica, têm o núcleo diminuto – do tamanho de um micrômetro, medida que corresponde à milionésima parte de um metro – envolvido por um material repleto de micro-furos por onde o ar circula.
Basicamente, o que Dainese e seus companheiros de equipe observaram é que nas fibras fotônicas a interação fóton-fônon, ou seja, de luz e ondas acústicas, é muito mais forte. A presença do ar nos micro-furos, incapaz de transmitir fônons (vibração acústica) de tão alta freqüência como os gerados pela própria luz (2 GHz), faz com que o som se concentre no núcleo da fibra, interferindo na transmissão óptica. Em outras palavras: as vibrações fazem com que parte da luz emitida pela fonte geradora seja devolvida ao ponto de origem (retroespalhada, ou seja, refletida para trás). Aqui também o efeito Brillouin impede (ou dificulta) que a informação transmitida chegue ao seu destino.
De acordo com Fragnito, orientador do estudo, o avanço realizado pelo grupo foi conseguir demonstrar que o diâmetro do núcleo das fibras, desenvolvidas especificamente para essa pesquisa, influencia diretamente na ocorrência do efeito de Brillouin. “Há anos pesquisamos esse fenômeno na esperança de que, se o entendermos melhor saberemos como eliminá-lo”, relata.
Dainese conta que ao iniciar o doutorado não tinha muita certeza sobre o que gostaria de trabalhar e passou muito tempo procurando algo interessante a que se dedicar no laboratório. E ao definir o tema de sua tese, não estabeleceu algo que pretendia provar. “Na área de engenharia, existe muito disso. O aluno resolve que vai desenvolver um dispositivo que vai ter uma utilidade determinada. Na ciência mais básica, não existe o objetivo claro de se chegar ao final com um produto fechado. Às vezes, o estudo visa mais uma contribuição para o avanço da área em que se está trabalhando”, explica. “Em geral, quando a coisa está mais nebulosa é porque existem coisas interessantes a serem descobertas”, pondera. Por exemplo, em relação ao efeito Brillouin, ele diz que não se pode afirmar que o efeito seja apenas ruim. Pode haver também aspectos positivos.
É como explica a pesquisadora do CPDQ: a fibra de cristal fotônico, devido à sua estrutura, pode ser utilizada para aplicações diferentes da fibra convencional, como um amplificador óptico, por exemplo, se injetarmos nela uma luz com características adequadas. Neste caso, em vez de se usar centenas de quilômetros de fibra, são necessários apenas algumas dezenas de metros. Entretanto, esta é uma aplicação que ainda está em fase de pesquisa e as fibras de cristal fotônico não são ainda comercializadas para aplicação em sistemas de transmissão para operadoras de telecomunicações.
Na opinião de Dainese, o fato dos seus artigos terem sido publicados não significa necessariamente que eles sejam bons. “Simplesmente eles foram aceitos, de acordo com critérios editoriais”, afirma. No seu entender, o que vai determinar sua importância é o número de citações e as referências que forem feitas a ele. “Um artigo científico é julgado ao longo do tempo”, acredita.
Ele atribui ainda essa conquista ao fato de ter estabelecido uma rede de contatos com pessoas de diferentes laboratórios e locais, participando de eventos, congressos, etc. Já em 2004 ele recebeu menção honrosa da New Focus Student Award, companhia americana do setor de óptica, por um artigo apresentado na Conference on Laser and Electrical Optics (Cleo), realizada na Inglaterra. E passou três meses estudando em Bath, em companhia de Jonathan Knight, que integra a equipe do estudo e desenvolveu a primeira fibra fotônica do mundo. Seu empenho e sua rede de relacionamentos lhe renderam um emprego numa companhia americana, motivo pelo qual está se mudando para os Estados Unidos, antes mesmo de terminar de escrever a sua tese, que será defendida em setembro deste ano.