Interferência do homem acelera erosão no litoral brasileiro

Ao longo de 10 anos foi feito o mapeamento dos pontos de erosão e progradação do litoral brasileiro. O trabalho será publicado em forma de atlas pelo Ministério do Meio Ambiente e aponta as possíveis causas para os fenômenos e ações do governo em relação a ocupação da orla.

Uma versão preliminar do relatório de um dos grupos de trabalho do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), divulgado no início do mês, prevê que o globo sofrerá um acréscimo de 2 a 4,5 graus em sua temperatura. O derretimento de geleiras continentais e polares poderia elevar o nível dos mares em 43 centímetros até 2100.

Preocupado com previsões como essa, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) encomendou um mapeamento dos pontos de erosão e progradação do litoral brasileiro, há pouco menos de 10 anos. O atlas – resultado do trabalho – está em fase de editoração e deverá ser publicado nos próximos meses, segundo o geólogo Moysés Gonsalez Tessler, do Instituto Oceanográfico da USP, coordenador local do projeto.

Cerca de 60% da população brasileira ocupa diretamente a linha de costa litorânea ou possui alguma atividade relacionada a esta, o que caracteriza a extrema importância dessa faixa do território brasileiro para o desenvolvimento econômico do país. Nessa direção, o estudo chama a atenção para as obras rígidas e a forma de ocupação da orla brasileira.

A pesquisa confrontou as tendências da escala de tempo geológica com o que está acontecendo do ponto de vista da escala de tempo histórica (onde há envolvimento humano no processo). “De onde saem e para onde vão as areias, porque saem e porque se acumulam em determinados locais”, simplifica Tessler.

Um exemplo claro da interferência humana é a perda da capacidade de desobstrução dos sedimentos marinhos do rio São Francisco em sua desembocadura – as obras rígidas, ao longo do seu percurso, regularizaram a taxa de vazão das águas fluviais. Como uma das conseqüências, a vila do Cabeço, na foz do rio, em Sergipe, foi tragada pelo mar, uma vez que se promoveu um desequilíbrio no volume de sedimentos depositados no litoral.

A pesquisa de Tessler apresenta uma dicotomia entre as análises dos dados na escala geológica e histórica: enquanto que para a primeira, que considera a evolução dos últimos 7 mil anos do nível do mar, a linha de costa está em avanço (progradação), na segunda – por meio de avaliações maregráficas – em recuo (erosão). No mundo, pelo menos 70% das costas arenosas estão erodidas, 10% em avanço e 20% não apresentam mudanças significativas.

Os fatores que podem explicar o recuo das linhas de costa, na escala histórica, são a própria variação do nível do mar por processos glaciais, tectônicos ou geoidais (da pulsação da Terra); climatológicos (maior intensidades das tempestades) e ação humana (estruturas rígidas como portos e atracadouros).

Há pontos do mapeamento cuja análise é direta: o equilíbrio da dinâmica sedimentar costeira é afetado porque se construiu obras rígidas, como é o caso dos molhes do porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que promove erosão nas praias de São José e progradação na praia do Cassino. Por outro lado, em alguns pontos do estudo, a origem da erosão não é clara, podendo haver a sobreposição de vários fatores. De qualquer forma, “efetivamente o homem está acelerando os processos de erosão, nos últimos 60 anos”, declara Tessler. Caso previsões como as do IPCC se confirmem, “em São Paulo, na região de Ubatura – boa parte formada por costões rochosos – não haverá qualquer recuo da linha de costa, por outro lado, Ilha Comprida – cuja declividade da praia é inferior a dois graus – quase desapareceria”, exemplifica o pesquisador. O atlas será vinculado ao Projeto Orla do MMA e ajudará na monitoração de áreas críticas do litoral brasileiro, assim como no desenvolvimento sustentável dessas áreas, por meio do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (Gerco), do mesmo Ministério.