Integração entre médicos e robôs melhora cirurgia contra suor excessivo

Um estudo inédito, comparando a atuação entre cirurgião e robô, foi realizado na Faculdade de Medicina da USP em pacientes submetidos à cirurgia para hiperidrose palmar e/ou axilar, uma desordem caracterizada por suor excessivo nas mãos e/ou axilas, com todo desconforto e problemas psicossociais relacionados.

Apesar de robôs já fazerem parte de alguns tipos de procedimentos na área de saúde, ainda não se pode dizer que eles façam parte da rotina de trabalho de médicos e pacientes. Um estudo inédito, comparando a atuação entre cirurgião e robô, foi realizado em pacientes submetidos à cirurgia para hiperidrose palmar e/ou axilar, uma desordem caracterizada por suor excessivo nas mãos e/ou axilas, com todo desconforto e problemas psicossociais relacionados. O “Estudo comparativo entre o controle robótico e humano da ótica na cirurgia videoassistida para simpatectomia torácica” foi realizado durante o doutorado do médico Joaquim Fernando Martins Rua, defendido junto ao programa em Cirurgia Torácica e Cardiovascular da Faculdade de Medicina da USP.

A cirurgia torácica videoassistida para simpatectomia (remoção de parte do nervo simpático) bilateral, um dos métodos cirúrgicos realizado para tratar a hiperidrose, foi realizada em 40 pacientes. Nessa operação, são realizadas duas pequenas incisões, uma por onde é colocada a ótica – um tipo de microcâmera que transfere para um monitor as imagens do interior da cavidade torácica -, e a outra por onde se insere o instrumento de corte, como o bisturi. Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião que, em metade dos pacientes, foi auxiliado por outro cirurgião humano. Nos outros 20 pacientes, o cirurgião foi auxiliado por um robô, na verdade um braço mecânico responsável, exclusivamente, pela manipulação da ótica, obedecendo ao comando de voz do cirurgião.

“Trata-se de um estudo pioneiro em nosso meio, que comprovou a segurança e a eficiência do auxílio robótico na realização de simpatectomia torácica”, diz Fabio Jatene, coordenador do projeto e diretor do serviço de Cirurgia Torácica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor). “Os resultados desse estudo abrem hipóteses para o avanço da cirurgia torácica robótica, com análise de novos parâmetros, como custo e viabilidade em outros procedimentos, bem como avaliação de maior número de doentes”, acredita.

O robô foi mais preciso que o cirurgião, ou seja, ao manipular a câmera, o médico cometeu mais deslizes, como movimentos bruscos ou esbarrões. Entretanto, o cirurgião humano foi mais rápido. A vantagem para o paciente é o aumento da segurança do procedimento. “O emprego de sistema robótico apresenta como potenciais vantagens a redução de tremores e movimentos inadvertidos durante a manipulação da ótica, fornecendo imagem do campo cirúrgico mais precisa, conferindo assim maior segurança ao procedimento”, explica Jatene. Como desvantagem, o médico cita os custos, sobretudo o investimento inicial para aquisição do equipamento. “Além disso, o emprego desse sistema requer treinamento e aprendizagem, que inicialmente tornam o tempo empregado para a operação maior em comparação ao procedimento convencional”, diz.

O equipamento robótico usado neste estudo foi o primeiro e único sistema criado no mundo para a manipulação da ótica em cirurgia minimamente invasiva, por comando de voz. Foi adquirido pelo Incor com recursos da Fundação Zerbini, com custo aproximado de US$ 100 mil, consistindo de um único braço robótico. “Os equipamentos mais recentes, incluindo três ou quatro braços robóticos, têm custo aproximado superior a US$ 1 milhão”, avalia o médico.

O sistema robótico já é empregado em várias especialidades médicas, principalmente na cirurgia urológica, cardíaca, gastrointestinal e ginecológica. No entanto, em cirurgia torácica, o número de publicações relatando o emprego de robótica ainda é muito pequeno. “A maioria desses artigos representa relatos de casos isolados ou séries de casos”, explica Jatene. “No entanto, em nosso país, a robótica ainda não foi incorporada à rotina de nenhum procedimento cirúrgico”, afirma. Segundo ele, embora o primeiro paciente tratado por uma equipe comum de robô e de cirurgião tenha sido reportado em 1985, tais sistemas ainda hoje não são usados rotineiramente.

“Isto pode ser explicado pela complexidade elevada de tais sistemas e pela resistência dos cirurgiões em aceitarem o papel de máquinas “automáticas”, mesmo sabendo que os robôs nunca trabalharão operando sozinho na sala cirúrgica, fato hoje que é comum na indústria”, acredita. Além disso, o campo da cirurgia robótica é emergente e ainda não alcançou uma massa crítica suficiente para confirmação científica. “Embora a robótica tenha um grande potencial para melhorar a precisão e as habilidades dos cirurgiões, o número de robôs no uso clínico é ainda muito pequeno, em razão dos altos custos do equipamento e do treinamento da equipe cirúrgica”, completa Jatene.

Como o sistema robótico já foi autorizado para emprego clínico pelas agências regulamentadoras internacionais e nacionais e a sua eficácia e segurança foram demonstradas por esse estudo, Jatene acredita que o robô poderia ser empregado como procedimento de rotina na realização desse tipo de cirurgia. Entretanto, diz ele, “por envolver tecnologia avançada, necessidade de treinamento específico de maior número de cirurgiões e devido aos custos associados ao seu emprego em nosso país, possivelmente a incorporação na rotina ainda levará algum tempo. No Incor, pretendemos continuar essa linha de investigação, com a realização de outros projetos de pesquisa”.

“Os avanços recentes na integração da informática, da biomecânica e da miniaturização eletrônica tornaram possível realizar procedimentos com técnicas cirúrgicas muito menos invasivas e altamente precisas”, explica o médico. “Tais avanços permitirão o progresso continuado na instrumentação cirúrgica e, finalmente, na assistência aos pacientes”, diz. Os dados referentes ao estudo ainda não foram publicados, mas estão em processo de avaliação por uma revista científica internacional.


Equipamento robótico usado no estudo, denominado AESOP (Automated Endoscopic System for Optimal Positioning), junto à mesa de operações com seus componentes, durante simulação de funcionamento. Foto dos autores.