Governo aprova a exploração comercial de florestas públicas

Nova Lei de Gestão de Florestas Públicas permitirá concessões, sem transferência de posse, para uso sustentável de áreas naturais brasileiras. Ambientalistas esperam que medida reduza grilagem e desmatamento ilegal.

 

As primeiras áreas concessionadas serão na Amazônia.
Foto: Rafael Oliveira

 

Foi sancionada este mês a lei 11.284, que regulamenta a concessão de florestas públicas para exploração sustentável, mediante licitação. A maior parte dos conservacionistas aclama a medida como uma importante ferramenta no combate à grilagem e ao uso ilegal das florestas. Enrico Bernard, gerente do programa Amazônia da Conservação Internacional (CI) do Brasil, aprova a nova lei: “Se o governo quer o apoio de um setor, tem que oferecer condições para que ele se estabeleça”. Segundo o ambientalista André de Freitas, as primeiras concessões não devem acontecer antes do segundo semestre de 2007.

A Lei de Gestão de Florestas Públicas concede o uso de áreas de floresta por até 40 anos a empresas nacionais, de acordo com o preceito de que essas áreas permaneçam públicas e permaneçam florestas. A formulação da lei incluiu ampla consulta à sociedade, que envolveu setores diversos como ambientalistas e madeireiros. Freitas, que participou desses debates representando a ONG Imaflora, acredita que a legislação representa “um avanço tremendo para a conservação da Amazônia”.

As concessões serão feitas somente mediante licenciamento ambiental de cada projeto. Maria Augusta Godoy, da empresa de consultoria ambiental Geotec, lembra que uma análise de impacto ambiental demora cerca de seis meses. Portanto, para que a implementação da lei seja viável, esse processo terá que ser agilizado.

A medida será importante, de acordo com Bernard, para delimitar as terras da União. “O que a lei tem de bastante importante é ser uma tentativa de ordenamento fundiário”. O caos fundiário afeta a biodiversidade, pois “as pessoas invadem contando com a impunidade, porque não vão sofrer sanções da lei”, justifica.

Para reduzir a grilagem e o desmatamento ilegal, é necessário que o Estado forneça recursos humanos para fiscalização. O projeto de gestão prevê uma descentralização das funções do Ibama, o que será feito mediante transferência de recursos (provenientes das concessões) e responsabilidades para estados e municípios. As áreas de concessão sofrerão vigilância constante, mas Enrico Bernard acredita que a partir do momento em que uma empresa passa pelo processo de legalização, ela manifesta a intenção de agir de forma correta. “Talvez assim sobre mais tempo para fiscalizar as áreas ilegais”.

No entanto, alguns grupos são contra a nova lei. É o caso do setor ligado à mineração, pois a nova lei exclui a exploração de recursos minerais. Na opinião de Bernard, a mineração legalizada tem danos muito menores do que o desmatamento e a extração ilegal de madeira. Outros críticos do projeto temem que a concessão das florestas abra as portas para a biopirataria. Quanto a isso, o ecólogo da CI defende que a solução é que o governo invista em ciência e tecnologia, laboratórios e centros de pesquisa. O desenvolvimento do conhecimento seria, assim, uma forma de apropriar-se do patrimônio natural antes que “biopiratas” o façam.

As áreas previstas para as primeiras concessões são localizadas na Amazônia, na área de influência da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém). Planos de desenvolvimento sustentável nesta área são essenciais para que seja aprovada a pavimentação da rodovia, que foi aberta nos anos 1970, mas até hoje não foi concluída devido a preocupações ambientais.

O Ministério do Meio Ambiente prevê que nos primeiros dez anos de funcionamento do projeto, serão concedidos cerca de 13 milhões de hectares de florestas na Amazônia, cerca de 3% de seu território. Embora neste primeiro momento a Amazônia esteja na linha de frente, é importante lembrar que a lei inclui também os outros ecossistemas brasileiros: a Caatinga, a Mata Atlântica e o Cerrado.

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 13 de março, a ministra do meio ambiente Marina Silva afirmou que o ordenamento fundiário e o uso sustentável das florestas são ferramentas essenciais para combater o desmatamento. “É preciso mostrar que a floresta de pé é mais rentável do que derrubada”, afirmou. A engenheira florestal Maria Augusta Godoy, porém, alerta para a necessidade de mais estudos ecológicos das florestas. Segundo ela, o embasamento técnico é ainda muito falho, de forma que não se pode definir com precisão, por exemplo, quanta madeira se pode extrair de forma sustentável.

Leia mais:
Edição da ComCiência sobre Florestas, com editorial e reportagens sobre o projeto de lei de gestão de florestas públicas.
Notícias sobre a nova lei disponibilizadas pelo Ministério do Meio Ambiente.
Reportagem do Instituto Socioambiental sobre a rodovia Br-163.